Baixa autoestima pode estar ligada a relacionamentos abusivos

É muito comum encontrarmos associações entre relacionamento abusivo e baixa auto estima. Uma pessoa que não possui muita segurança, atitude e confiança em si, muitas vezes acaba se relacionando com pessoas que oferecem aquilo que lhe falta. Se por um lado pode parecer um conforto e até mesmo a solução, esta relação também pode evidenciar ainda mais estas faltas, facilitando significativamente a possibilidade da relação vir a se tornar abusiva. 

Como se caracteriza uma relação abusiva?
Precisamos entender que relações abusivas são constituídas por pessoas de características comuns. Elas podem ser alegres, sedutoras, aparentar segurança e sabedoria, assim como também podem ser sensíveis, cheias de dúvidas ou pouca segurança. A questão é que há muita dificuldade em identificar perfis abusivos em potencial ou mensurar a probabilidade desse tipo de relação ser experienciada por alguém ao longo da vida. 
O que caracteriza uma relação abusiva é o fato de uma das partes de sentir inferior. O sentimento de desvalorização e intimidação provocam a sensação de dúvida sobre aquilo que sabe ou sente, e a pessoa passa a acreditar que o parceiro é maior do que ela mesma. Há muitos abusos mascarados de atitudes bem intencionadas e palavras afetuosas. O parceiro, muitas vezes, possui um discurso de suporte, de ensinamentos e até mesmo de proteção, porém costuma estar sempre certo e precisa de alguma forma invalidar, desmerecer ou finalizar e substituir por seus saberes e atitudes aquilo que antes era do outro. Porém, desta forma, acabam intimidando, conduzindo e controlando o parceiro, fazendo dele mera sombra. 
Como a autoestima se mostra dentro do relacionamento?
A autoestima de uma pessoa é desenvolvida e estruturada desde o momento do nascimento. É através dos olhares, das falas, dos gestos e do cuidado que vamos formando nossas referências e identificando qual nosso valor. Nossa família e o ambiente social são determinantes nesse processo, e é através deles que sentimos se somos importantes, desejados, se devemos reinar ou nos esconder.

Uma pessoa com auto estima fragilizada é aquela que não consegue identificar o seu real valor. Geralmente apresenta alto nível de insatisfação, seja com sua própria aparência, sua capacidade intelectual ou até mesmo com suas próprias escolhas – sejam do passado ou atuais. Tendem a possuir uma autocrítica severa, focalizando sempre as falas, eros e faltas como parte do processo de auto desvalorização. Podem apresentar dificuldade em identificar suas vitórias pessoais, uma vez que esteja presa nas coisas que poderia ter feito a mais ou de forma diferente, muitas vezes acreditando que o outro é mais valioso ou mais capaz que ela mesma. Não raras vezes, costumam apresentar mecanismos de defesa bastante desenvolvidos, como os de projeção, negação ou distorção.

Não conseguimos identificar apenas uma explicação para este conjunto de comportamentos. O resultado pode ser reflexo do excesso de julgamentos e da falta de reconhecimento do outro, como também do excesso de validação ou dos aplausos em demasia – uma espécie de condição para a pessoa conseguir compreender o seu valor.

Como identificar a autoestima fragilizada?


Existem diversas maneiras de uma autoestima se apresentar fragilizada. Porém, independente de como a fragilidade se manifesta, o ponto central é que envolve uma angústia extrema, provinda da falta do amparo existencial. Por isso, em sua grande maioria, seu discurso e seus sintomas apresentam grandes doses de desmerecimento e ao mesmo tempo a esperança de que alguém o ajude e o encontre, o resgate. Estão muitas vezes à espera (ainda que inconsciente) de um olhar acolhedor, que os reconheça e acalma a angustia. E é justamente desta forma que acabam se expondo e se colocando em situação de vulnerabilidade e dependência, fazendo com que o outro tenha poder sobre ele.

Apesar da face quieta e escondida apresentar sintomas e reações mais comuns e, por conta disso, ser mais facilmente identificada como autoestima frágil, é preciso compreender que o lado aparentemente confiante também pode expressar, muitas vezes, sua fragilidade, através de atitudes disfarçadas como sabedoria, força e coragem. Através dessa fantasia num discurso que mistura culpa e salvação, responsabilidade e ajuda,  a pessoa com baixa autoestima pode acabar se vinculando a alguém inseguro e vitimizado, e com este outro pode acabar tendo uma relação abusiva, uma história cheia de culpa e vitimização.

A relação entre uma pessoa de autoestima frágil e outra que acredita ser dominante, possuidor do poder e da verdade, pode ser tóxica e até mesmo perigosa. Em relações como esta, ao mesmo tempo que cada um provoca no outro seus medos e faltas, também encontra no outro aquilo que precisa, formando assim um ciclo de dependência emocional.

Um problema mais profundo

O fato de se estar em relação abusiva tende a ser um sinal de que a autoestima da pessoa estava fragilizada antes mesmo da relação ser concebida, ainda que não se soubesse. Isso acontece de forma muito mais frequente do que imaginamos. Herdamos uma forte cultura histórica e social que legitima, compreende e estimula diversos abusos e em todos os meios – sendo eles dentro de relações amorosas, familiares ou profissionais – mesmo que mudanças ocorram a cada época, continuamos reproduzindo esses padrões sem nos darmos conta.


O maior perigo de todos talvez seja a normalização dessa situação. Arranhar justificativas como “meu pai e minha mãe faziam isso”, ou “antigamente era assim” é autorizar essa realidade e dar a ela um caráter admissível. São nestes esforços com discursos pautados na ideia de normalidade é que se tenta amenizar, compreender ou aceitar abusadores, assim como a ideia de que uma pessoa pode realmente valer mais que outra.

O costume normativo acaba sendo um grande produtor de fragilidades na autoestima pois limitam o ser, o sentir e o existir por si mesmo. Compreender e aceitar determinados contextos por considerar que eles são normais, determina e obriga muitas pessoas a se submeterem conforme as regras sociais, deixando de se perceber, de se escutar e se respeitar. Este cenário também contribui para que a outra ponta do ciclo abusador tenha seu ego reforçado, acreditando que sabem mais, são mais e que podem mais, crenças estas autorizadas e estimuladas socialmente.

Procurando ajuda

Como falamos anteriormente, não há como prever exatamente em que condições um relacionamento abusivo começa a se construir, mas temos fortes indícios que precisam ser observados sempre. Não é normal sentir-se impotente, intimidado ou desvalorizado.

Se você se encontra nesta situação, ou não tem certeza mas que se identificou com algumas destas posturas, falas ou atitudes, não se culpe. É preciso romper com esta herança histórica e social que justifica e aceita o abusador e inverte a situação, transformando o abusado na causa.

É fundamental trabalharmos a autoestima individual, como possibilidade de ressignificar seu próprio valor, consigo e com o mundo. Busque ajuda, fortaleça suas vulnerabilidades. Somente desta maneira será possível reconstruir-se de forma sólida e romper com o ciclo autodestrutivo, fazendo com que o amor próprio e a autoestima sejam restabelecidos.