Caso Clínico I – O menino que não sentia

AMARAL, T. Tristeza do menino, 2016.
Havia dito num ar de desprezo para si mesmo: “não dói”, da mesma forma que fazia quando criança em dias de vacina, na intenção de disfarçar seu medo e choro para aquelas pessoas da fila. Não suportava a ideia de deixar transparecer sua fraqueza, e optou por acreditar que a dor que hoje sentia era um tipo de vacina que o tornaria mais forte depois. E de tanto dissimular que sentia, foi ficando imune à felicidade. Isento-se dos suspiros, sorrisos, surpresas, ou qualquer outra coisa que tivesse uma duração limitada. Sentia silenciosamente o medo do fim, e tudo que possuía agora era a solidez de uma dor que conseguia esconder de todo mundo ao seu redor – menos de si próprio. Aquela mesma dor, quieta e disfarçada, que mesmo sem alguém perguntar, fazia questão de responder a todo tempo: “não dói”.
– A série “Casos Clínicos” é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.