Caso Clínico III – Limpando os armários
Os anos passaram e em algum momento da vida aquela mulher acabou se cansando das mesmas roupas de sempre. Percebeu que, com o passar dos anos, muitas delas já não tinham utilidade. Haviam peças que não cabiam mais em seu corpo, outras que há tempos havia deixado de apreciar, algumas ainda precisavam de reparos que não sabia como fazer. Ainda assim, durante todo esse tempo, as peças sem uso permaneceram guardadas no mesmo lugar do armário. Com o acúmulo de roupas, a mulher foi perdendo espaço. Perdeu com isso também seu próprio tempo, arrumando e classificando todos os afetos contidos nas memórias das roupas guardadas. Aos finais de semana, quando entrava em alguma loja de roupas, sentia o cheiro de novidades. Peças novas por todos os lados, mais modernas e coloridas, um universo cheio de possibilidades. Mas isso a angustiava. O medo de se desfazer do passado e encontrar uma roupa nova que lhe caísse melhor causava desconforto. “Como posso me desfazer de algo que me acompanhou por tanto tempo?” – pensava. No fundo, não reagia bem a mudanças, e resistia ferozmente a elas. Sentia uma espécie de ingratidão ao pensar que roupas novas lhe cairiam melhor, era como se não as merecesse. E por medo de abrir mão do habitual, a mulher não abria espaço para o novo. Esse novo, que em seu íntimo tanto desejava, mas que jamais conseguiria bancar por temer o desconhecido.
“No presente a mente, o corpo é diferente
e o passado é uma roupa que não nos serve mais.”
Belchior
– A série “Casos Clínicos” é inspirada em atendimentos psicoterapêuticos reais, garantindo o sigilo sobre a identidade e o conteúdo das sessões.